sexta-feira, 1 de julho de 2011

Primeiro de maio no Vaticano

Primeiro de maio de 2011 no Vaticano 


No dia primeiro de maio, diretamente do Vaticano, o mundo católico inteiro jubilou-se com a beatificação do Papa João Paulo II. Mais um beato que, do céu, intercede pelo povo de Deus, pela Santa Igreja de Jesus Cristo. Em mil anos, considera-se que é a primeira vez que um Papa beatifica o seu predecessor. A beatificação de uma pessoa significa que, com base em documentação rigidamente estudada pelo Vaticano, houve pelo menos um milagre, que se deve à intercessão da pessoa junto a Deus. Mais ainda, que a pessoa viveu toda a sua vida segundo a vontade de Deus, em espírito de obediência e fidelidade incondicional às exigências de seu testemunho cristão. Assim, a pessoa está prestes a ser colocada na lista dos santos que se encontram diante de Deus. A beatificação antecede a canonização, o que, agora, esperamos para os próximos anos.
O testemunho dos santos é um sinal sensível de que a vida de santidade ainda é possível em nosso mundo pós-moderno. Claro que os apelos profanos, como o hedonismo presente nos meios de comunicação, o materialismo desenfreado que vai assumindo o lugar de Deus no coração das pessoas, os desvios de comportamento com insinuações de se pretender viver a autêntica liberdade, o distanciamento de uma vida comprometida, de maneira real, com os valores cristãos, tudo isso faz soar mal aos ouvidos contemporâneos o sentido cristalino da santidade. Por isso que os santos vivem no mundo sem serem do mundo, como pediu Jesus ao Pai pelos seus Apóstolos: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo como eu não sou do mundo. Santifica-os na verdade; tua palavra é verdade. Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E, por eles, eu mesmo me santifico para que sejam santificados na verdade. Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim: a fim de que todos sejam um” (Jo 17,15-21). Na verdade, a oração de Jesus envolve todos os que, ao longo dos séculos, tornar-se-ão testemunhos vivos de sua própria santidade. Logo, todos os homens e as mulheres somos intimados à santidade.
O Papa Bento XVI iniciou sua homilia lembrando que, há seis anos, na mesma Praça do Vaticano, havia acontecido o funeral do novo beato: “Passaram já seis anos desde o dia em que nos encontrávamos nesta Praça para celebrar o funeral do Papa João Paulo II. Então, se a tristeza pela sua perda era profunda, maior ainda se revelava a sensação de que uma graça imensa envolvia Roma e o mundo inteiro: graça esta, que era como que o fruto da vida inteira do meu amado Predecessor, especialmente do seu testemunho no sofrimento. Já naquele dia sentíamos pairar o perfume da sua santidade, tendo o Povo de Deus manifestado de muitas maneiras a sua veneração por ele. Por isso, quis que a sua Causa de Beatificação pudesse, no devido respeito pelas normas da Igreja, prosseguir com discreta celeridade. E o dia esperado chegou! Chegou depressa, porque assim aprouve ao Senhor: João Paulo II é Beato!”. Desse modo, Bento XVI ligou o passado ao momento histórico do anúncio do novo beato, o Beato João Paulo II. Como outrora, a Praça do Vaticano ficou locupletada de cardeais, bispos, padres, religiosos e religiosas, seminaristas, autoridades políticas, chefes de Estado, enfim, cristãos do mundo inteiro puderam ver de perto o júbilo da Única Igreja de Jesus Cristo que apresenta santos qual modelos de seguimento e imitação de Cristo, conformando sua vida à vida dele. Somente Ele é a possibilidade de nossa salvação eterna, porque Ele é Deus e o próprio caminho que nos leva a Deus, o seu Pai. De fato, Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida verdadeira. Ninguém chegará ao Pai senão por meio dele (Jo 14,6-7).
A imagem e afigura carismática do Papa João Paulo II ficaram fortemente estampadas na memória do nosso tempo, por tudo o que ele fez e viveu para testemunhar sua fé, levando em consideração os dramas históricos de sua existência, através dos quais a dignidade humana foi, terrivelmente, massacrada, espezinhada, desfigurada. Sombras macabras se estenderam também sobre sua nação, a Polônia, a qual ele defendeu com sua autoridade moral e religiosa da possibilidade de novos levantes ditatoriais contra a sua gente. Ele viveu tempos difíceis. Perdeu todos os seus parentes logo cedo, e ficou órfão e sozinho do mundo. Estudou filosofia e teologia escondidamente. Viu muito de seus companheiros morrerem vítimas do ódio nazista. Foi um exímio ator de teatro, muito entusiasmado com a literatura enquanto fonte de conhecimento. Também escreveu poemas: “Em seu túmulo branco brotam as brancas flores da vida. Oh, quantos anos já se foram sem você – quantos anos? No seu túmulo branco agora fechado há anos algo parece se erguer: inexplicável como a morte. No seu túmulo branco, Mãe, meu amor sem vida...”. Ou seja: “Dessa maneira, o jovem Karol Wojtyla escreveria em um de seus primeiros poemas, quando tinha dezenove anos, expressando privadamente a mágoa dos seus anos de criança, o peso da perda que nunca confiara sequer a seus amigos. Mesmo como padre, bispo e Papa, o Karol Wojtyla adulto se manteria reservado e quase nunca faria confidências a outros mortais sobre os traumas da vida” (Carl Bernstein). Um homem profundamente marcado para a santidade, ele experimentou muitos dissabores durante a sua juventude e pela vida afora.
Dedicou sua vida toda à Maria, como tão bem recordou o Papa Bento XVI na homilia de sua beatificação: “Karol Wojtyła, primeiro como Bispo Auxiliar e depois como Arcebispo de Cracóvia, participou no Concílio Vaticano II e bem sabia que dedicar a Maria o último capítulo da Constituição sobre a Igreja significava colocar a Mãe do Redentor como imagem e modelo de santidade para todo o cristão e para a Igreja inteira. Foi esta visão teológica que o Beato João Paulo II descobriu na sua juventude, tendo-a depois conservado e aprofundado durante toda a vida; uma visão, que se resume no ícone bíblico de Cristo crucificado com Maria ao pé da Cruz. Um ícone que se encontra no Evangelho de João (19, 25-27) e está sintetizado nas armas episcopais e, depois, papais de Karol Wojtyła: uma cruz de ouro, um ‘M’ na parte inferior direita e o lema ‘Totus tuus’, que corresponde à conhecida frase de São Luís Maria Grignion de Monfort, na qual Karol Wojtyła encontrou um princípio fundamental para a sua vida: ‘Totus tuus ego sum et omnia mea tua sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe mihi cor tuum, Maria – Sou todo vosso e tudo o que possuo é vosso. Tomo-vos como toda a minha riqueza. Dai-me o vosso coração, ó Maria’ (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 266)”. Relendo as páginas da vida do novo beato, é quase impossível não perceber comovido o toque da consagração mariana que o levou a considerar a “mão invisível” que o livrou da morte no atentado de 1981 na mesma Praça Vaticana, no dia 13 de maio daquele ano.
Sim, ele nasceu ouvindo cânticos entoados à Mãe de Deus vindos do outro lado da rua da casa onde nasceu: “Segundo se conta, não houve dor. No momento do parto, a mãe pediu à parteira que abrisse a janela para que os primeiros sons que seu filho recém-nascido ouvisse fossem o canto em honra de Maria, Mãe de Deus. E assim a parteira saltou do pé da cama para a janela e escancarou as persianas. De repente, o quarto se encheu de luz e do entoar das vésperas de maio em honra da Santa Virgem, vindo da igreja de Nossa Senhora, no próprio mês a ela dedicado. Dessa forma, os primeiros sons ouvidos pelo futuro Papa, João Paulo II, foram cânticos entoados a Maria, da igreja paroquial que ficava bem do outro lado da rua da casa onde nasceu, num modesto sobrado cujos proprietários eram judeus, na cidadezinha de Vadovice, na Galícia. Essa foi a história contata pelo velho Papa em pessoa, enquanto caminhava pelos jardins do Vaticano no seu septuagésimo ano de vida, contemplando o arco descrito por sua vida notável e descrevendo essa grande dádiva de sua própria mãe martirizada” (Carl Bernstein). Nasceu no mês de maio e foi beatificado no mesmo mês dedicado à Mãe de Jesus. E, mais uma vez, o Papa Bento XVI recordou a “bem-aventurança da fé” de Maria, que foi modelo na vida do beato João Paulo II: “A bem-aventurança da fé tem o seu modelo em Maria, pelo que a todos nos enche de alegria o fato de a beatificação de João Paulo II ter lugar no primeiro dia deste mês mariano, sob o olhar materno d’Aquela que, com a sua fé, sustentou a fé dos Apóstolos e não cessa de sustentar a fé dos seus sucessores, especialmente de quantos são chamados a sentar-se na cátedra de Pedro. Nas narrações da ressurreição de Cristo, Maria não aparece, mas a sua presença pressente-se em toda a parte: é a Mãe, a quem Jesus confiou cada um dos discípulos e toda a comunidade”.
Agora, ao lado da Virgem Maria, ele intercede pela Igreja peregrina diante dos desafios de sua missão evangelizadora num mundo tão hostil às coisas do céu. Assim, concluo minha reflexão com as Palavras do final da homilia do Papa Bento XVI, sucessor do novo beato João Paulo II: “Feliz és tu, amado Papa João Paulo II, porque acreditaste! Continua do Céu – nós te pedimos – a sustentar a fé do Povo de Deus. Muitas vezes, do Palácio, tu nos abençoaste nesta Praça! Hoje nós te pedimos: Santo Padre, abençoa-nos! Amém”.