domingo, 3 de julho de 2011

Corpus Christi

Corpus Christi 


Na quinta-feira 23 de junho, a Igreja celebrou o dia de Corpus Christi, conhecido na tradição católica como a solenidade do “Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo”. Nesse dia a Igreja reza ao Senhor assim: “Senhor Jesus Cristo, neste admirável sacramento nos deixastes o memorial de vossa paixão. Dai-nos venerar com tão grande amor o mistério do vosso Corpo e do vosso Sangue, que possamos colher continuamente os frutos da vossa redenção”. Eis, pois, o que a Igreja faz no mistério da celebração eucarística, que torna Cristo presente, de modo humilde, nas espécies consagradas, transubstanciadas, do pão e do vinho, que se tornam seu Corpo e seu Sangue. É dessa maneira discreta que ele permanece presente no meio de seus seguidores. Ele que disse: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20).
A Eucaristia é o maior dom deixado por Cristo à sua Igreja. Ele quis precisar dos sacerdotes que, no exercício de seu sacerdócio ministerial, qual participação do exclusivo sacerdócio de Cristo, sumo e eterno Sacerdote, celebram o memorial de sua paixão, morte e ressurreição. Na verdade, trata-se da entrega generosa de Cristo ao Pai em favor de nossa humanidade pecadora. Essa entrega, ele demonstrou-a na última ceia com seus apóstolos: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Nesse contexto do amor aos seus, levando até às últimas consequências a radicalidade de sua entrega, ele “levanta-se da mesa, depõe o manto e, tomando uma toalha, cinge-se com ela. Depois põe água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido”. No gesto de lavar os pés dos discípulos, Jesus expressa o dom total da redenção com que ele vai “lavar os pés” de toda a humanidade pecadora. Segundo Angélico Poppi, trata-se de um gesto simbólico muito significativo pelo seu valor cristológico. Ele exprimia o serviço prestado aos homens pelo Filho de Deus, por meio de sua “kénosis” – de seu aniquilamento, de seu abaixamento – e pela doação da própria vida; logo ele seria morto na cruz, a fim de manifestar o supremo amor do Pai pela humanidade ferida pelo pecado.
Infelizmente, nem todo mundo se dispõe a que Jesus lave-lhe os pés. Muitas vezes, a humanidade comporta-se com tamanha arrogância e autossuficiência que imagina não precisar de Cristo para nada. Assume a atitude de Pedro e não volta atrás em sua decisão. Lembro-me da história que o padre Rey Ballestero contou em seu livro. Ele relata que uma das cenas mais duras de sua vida sacerdotal, foi quando precisou administrar os últimos sacramentos a um cidadão que durante muitos anos negou sistematicamente confessar-se. Mesmo ao ser notificado de sua enfermidade mortal, persistiu em sua decisão negativa. Por causa da insistência de uma paroquiana, ele acabou aceitando que o sacerdote fosse visitá-lo. Ao ver o sacerdote entrar em seu quarto, fixou-o com os olhos tristes, e pediu-lhe desculpas por tê-lo feito ir até sua casa, e com um “não posso, padre; não estou arrependido de nada”, retomou sua postura anterior. Diante do sacerdote, estava um homem incapaz de ajoelhar-se, debatendo-se face à morte com sua própria impotência para prostrar-se diante de Deus. Depois de uma breve conversa, pediu que o padre se retirasse, e naquela mesma noite morreu. Voltando para casa, o padre rezava pelo pobre coitado, enquanto um pensamento lhe ocorreu de forma insistente: “Quão é difícil morrer ajoelhado quando não se quis viver de joelhos!”. No caso da suposta recusa de Pedro, que diz que Cristo não lhe lavará os pés – “Senhor, tu, lavar-me os pés?!”; “Jamais me lavarás os pés!” (Jo 13,) – Jesus é incisivo: “Seu eu não te lavar, não terás parte comigo!” (Jo 13,8). E Pedro acabou cedendo, com o exagero de sua provocativa espontaneidade: “Senhor, não apenas meus pés, mas também as mãos e a cabeça” (Jo 13,9).
Na simplicidade do gesto humilhante de lavar os pés, o que era feito pelos escravos aos seus senhores, antes da refeição, Cristo demonstra concretamente que o verdadeiro amor requer atitudes de serviço ao próximo. Com efeito, próximo de nossa humanidade, o maior e mais sublime serviço que ele lhe presta é entregar a sua vista pelos seus. Daí que no início do comportamento de Cristo, “depor o manto” (Jo 13,4) significa “depor a vida” como faz o Bom Pastor pelas suas ovelhas (Jo 10,11.15.17). Destarte, tanto no altar da cruz quanto no altar da Eucaristia, é sempre o mesmo Cristo quem se imola em favor de todos os homens. Portanto, a Hóstia consagrada não é uma possibilidade circunstancial em que Cristo aparece e desaparece momentaneamente. Não é uma superstição inventada pelos cristãos para não se separarem do seu Senhor e Mestre. Não é a manipulação de Deus encarnado na pessoa do Filho. A Hóstia é Cristo todo: corpo, sangue, alma e divindade, como aprendemos na catequese. Ele é o verdadeiro pão descido do céu; Ele é o pão da vida, e quem comer desse pão, viverá eternamente. Para escândalo de muitos discípulos seus, seu corpo é verdadeira comida, seu sangue, verdadeira bebida. Eis o discurso de Cristo: “Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente comida. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele. [...] Este é o pão que desceu do céu. [...] quem come este pão viverá eternamente” (Jo 6,53-58). O Jesus que se dá na hóstia consagrada é o Filho de Deus bendito, possuidor da vida eterna que ele nos concede como herdeiros que somos de seus bens espirituais.
A riqueza da Eucaristia é tão grande e infinita quanto o próprio Deus. E continuará sempre um mistério por meio do qual Ele se esconde e se revela ao mesmo tempo. Simples, discreto e humilde, “no sacramento do altar, o Senhor vem ao encontro do homem, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27), fazendo-se seu companheiro de viagem. Com efeito, nesse sacramento, Jesus torna-se alimento para o homem, faminto de verdade e de liberdade. Uma vez que só a verdade nos pode tornar verdadeiramente livres (cf. Jo 8,36), Cristo faz-se alimento de Verdade para nós. Com agudo conhecimento da realidade humana, santo Agostinho pôs em evidência como o homem se move espontaneamente, e não constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele suscita desejo. Perguntando-se ele, uma vez, o que poderia em última análise mover o homem no seu íntimo, o santo bispo responde: ‘Que pode a alma desejar mais ardentemente do que a verdade?’. De fato, todo homem traz dentro de si o desejo insuprimível da verdade última e definitiva” (Bento XVI). Tudo isso encontramos na Eucaristia. Cristo é a síntese de todos os nossos desejos de felicidade e realização plena, e a realidade de insuficiência e anelo presente no coração humano somente pode encontrar correspondência autêntica nele, o Salvador. Sim, devemos reconhecer com humildade que sem ele não somos capazes de nada.
Como nos afirma o Papa Bento XVI, “no sacramento da Eucaristia, Jesus mostra-nos de modo particular a verdade do amor, que é a própria essência de Deus. Essa é a verdade evangélica que interessa a todo homem e ao homem todo”. Então, permitamos que a nossa vida inquieta e desorientada encontre-se dentro do mistério eucarístico de Deus que nos serve, sem reservas, em Cristo Jesus.