domingo, 31 de julho de 2011

A profissão de fé num mundo descrente...

A Profissão de fé num mundo Descrente 



Uma das principais características da vida religiosa de Israel é a profissão de fé que declara à consciência do crente a existência de um ser superior, que conduz os caminhos da história coletiva e pessoal de todos os povos, independentemente do consentimento e da aceitação plena de sua inteligência. Não é o caso, aqui, de fazermos a retrospectiva histórica da vida do povo de Israel – embora devamos citar alguns personagens – mas, sobretudo, gostaria de pontuar algumas questões da fé que marcam o desafio dos crentes que vivem em um mundo totalmente avesso à religião e à própria atitude de fé.
A verdade é que, diante do subjetivismo cada vez mais influente e decisivo no comportamento das pessoas, enquanto cada um decide o tipo de fé que quer viver ou assumir na consciência de sua religiosidade, a fé em si mesma, dom de Deus depositado no coração do fiel, é muito exigente. De fato, o desafio da fé sempre constituiu motivo de galhofa e zombaria ao longo dos séculos. Quem não sabe o que aconteceu aos cristãos das primeiras horas do Cristianismo, de modo especial, durante os três primeiros séculos, de como muitos foram jogados às feras, simplesmente, por terem o nome de cristãos, isto é, por serem seguidores de Cristo? De lá para cá, o testemunho eloquente ainda provoca incômodo e rejeição. Por que será símbolos religiosos cristãos são agredidos e tratados com desprezo? Será que é porque vivemos a chamada “tolerância religiosa” e a coerência com a conhecida “laicidade do Estado”, que apregoa, erroneamente, a não religião? Mesmo assim, enfrentando fortes ventos e tempestades imprevisíveis, inclusive em meio aos irmãos e falsos irmãos, a fé exige do crente uma atitude permanente de conversão. Para o verdadeiro crente, não basta a atitude vazia de acender uma vela por alguém que se apagou da vida, que foi levado pela fatalidade da morte, sem levar em consideração as circunstâncias do envolvimento de seu desaparecimento. O mundo oco, vazio e maluco em que vivemos, dentro da dormência espiritual que paralisa o homem para a realidade mais profunda de sua transcendência, tem dado sinal de cansaço, senão, de desespero. Em que, realmente, tentamos nos segurar para não sermos engolidos pelo redemoinho do mundo moderno? O que é, de fato, importante e essencial no âmbito de todas as escolhas que devemos fazer todos os dias e a cada instante do fluir inexorável da existência, da nossa existência? Para que direção olhar? A quem podemos pedir socorro? De onde virá a nossa tábua de salvação? A fé pode não responder a todos esses questionamentos, mas, por certo, poderia indicar-nos a direção a seguir.
O fato é que, quando todo o universo parece conspirar contra toda a humanidade e seus benefícios de bem-estar e segurança – também envolvendo as questões ecológicas, espirituais, morais, éticas, econômicas, políticas, sociais, religiosas e existenciais de todo tipo – ainda podemos vislumbrar, além do aparente caos cosmológico, o apelo perseverante da fé que, reacende, dentro do espírito humano, as convicções da pureza de suas esperanças. O mundo tem dono. Ele pertence ao seu Criador, Deus. E, embora nem sempre saibamos reconhecê-Lo pelo seu próprio nome, Ele não deixa de ser quem sempre foi, longe, fora e distante de todas as nossas tentativas de apreensão de sua realidade mais intrínseca ao seu próprio ser e existir. Dizer não acreditar em Deus é uma maneira contraditória e, talvez, inconsciente, de professar a fé em sua pessoa. Com efeito, sempre acreditamos em alguém, mesmo quando imaginamos poder negar esse fato. Por isso que Deus não pode ser expulso do horizonte formativo da sociedade humana. Tanto é verdade que, por mais que nos esforcemos para conquistar a independência e a emancipação diante dele, mais cedo ou mais tarde, iremos chegar à zona da mais completa e absoluta dependência, porque já não poderemos mais nada, além do abandono radical. De fato, apesar de parecer irracional, a fé exige do homem lucidez e inteligência, para, desse modo, superar a burrice de imaginar-se senhor de si mesmo e de todos os seus fatídicos projetos de realização momentânea e fugaz como o é a sua própria vida.
Da literatura bíblica, incontáveis são os testemunhos de obediência e fé, não a um deus obscuro e inconsequente, falso, mas, ao único Deus verdadeiro. E não se trata de um deus que brota da escuridão interior da criatura, que não gera a si mesma. O Deus de Israel é o Deus criador, senhor de tudo e de todos, até a extensão máxima dos séculos inatingíveis pela pobreza limítrofe de nossa racionalidade. Nesse contexto, como afirma Marconcini, a confiança em Deus supera todos os limites e todas as objeções da razão humana, que renuncia a confiar em si mesma. Desse modo, consciente de sua própria incapacidade e da insuficiência de qualquer garantia humana, mesmo se milagrosa, duvida de si e se abre à intervenção divina. Na verdade, essa atitude de fé e de confiança total em Outro, no “Outro” que é Deus, contrapõe-se à situação de incredulidade que torna o homem fechado diante de Deus e, portanto, seguro de si e autossuficiente em suas realizações. Na concepção do autor supracitado, algumas atitudes devem traduzir-se na vida prático do crente como sinal de adesão ao projeto da revelação divina. Confiança, fidelidade, escuta e obediência, cada um desses termos amplia o arco das reações legitimamente humanas no horizonte da fé. Abel, Enoc, Noé, Jacó, Josué, entre outros, mas, sobretudo, Abraão, fazem parte da galeria de personagens bíblicos que, mesmo se em tempos totalmente diferentes dos nossos, ainda tem algo a dizer-nos do abandono, do temor, da obediência, do amor, da confiança, da esperança, da fidelidade, da espera paciente, enfim, de tudo aquilo que fundamenta a fé somente em Deus. Claro que viver a fé não significa descartar a possibilidade das trevas interiores, das dúvidas, das incertezas, dos aperreios espirituais, das torturas psicológicas, sobretudo, quando a timidez da nossa convicção desconfia de sua própria segurança.
Viver a fé significa justamente permanecer fiel e obediente, até quando tudo parece contradizer a esperança da mesma fé. Não apenas a história bíblica está repleta de testemunhos desse tipo, como na vida de Jó e no aparente silêncio divino em face das perseguições dos profetas, e seria oportuno aprofundar a vida desses “homens de Deus” em conjunturas de crises espirituais e de fé. Todavia, também na estampa da vida moderna, muitos cristãos sentem na pele o desafio de viver a sua crença numa sociedade que debocha de tudo que fale de religião, de Deus, de Cristo, de vida de santidade. O absurdo do moralismo é quando impomos aos outros aquilo que não somos capazes de viver ou, para não deixar a criatividade da hipocrisia sem resposta no discurso, quando impomos aos outros nosso modo errado de viver, como se, de fato, fôssemos donos da própria vida, do próprio nariz.
Numa prospectiva de fé, o subjetivismo não tem vez porque Deus não é criatura do homem. Pelo contrário, querendo ou não, o homem é criatura de Deus, e a fé somente é possível dentro dessa dimensão relacional de subordinação criador-criatura. Por isso que a incredulidade, para voltar ao pensamento de Marconcini, é a tentação contínua do homem destinatário da revelação, da mesma forma como a idolatria é a condição permanente do pagão. E como a sociedade moderna está permeada, invadida de paganismo!. Assim, ajunta o referido autor, diante das maravilhas sempre novas do amor de Deus subtraído a qualquer tipo de controle ou verificação, cada dia, o crente é colocado diante de um dilema: ou confiar-se unicamente em Deus ou cair na incredulidade que se torna a raiz de todo pecado. Como é lúcido o raciocínio desse autor. Realmente, para fugir a qualquer exigência de santidade e decência, de vida moral ou ética, é muito mais cômodo para a pobre e miserável criatura humana negar a Deus e, consequentemente, pensar-se isento da obrigação de qualquer moralidade. Com efeito, trata-se da mais terrível armadilha, prisioneiro da qual, o homem dificilmente conseguirá fazer o legítimo voo de sua liberdade interior, o voo da liberdade de seu espírito em direção à plenitude.
Viver e morrer sem Deus não deveria ser a conclusão lógica do único animal racional no meio dos bichos irracionais, que se deitam e se levantam, sem o vislumbre da consciência, exigindo a necessidade de olhar para o alto, para o ponto convergente de sua própria transcendência e superioridade.