sábado, 2 de julho de 2011

Quando um cristão tomba,,,

Quando um cristão tomba, é Cristo quem se eleva 

Aquele pequeno menino que nascera em Belém da Judeia, havia sido apresentado aos seus pais “como um sinal de contradição” (Lc 2,34). O Rei da paz cresceu no meio de uma família, entre os seus iguais, iniciou seu ministério apostólico e, logo, sentiu o peso de sua missão e da responsabilidade do “cálice amargo” que deveria beber em incondicional sintonia com a vontade do Pai. Ele escolheu alguns amigos, discípulos e apóstolos, para que o seguissem. Fundou sua Igreja sob o fundamento dos Apóstolos. A cada um de seus seguidores, nunca negou o ódio do mundo por causa de seu Nome, de sua Pessoa. Ao longo dos séculos, muitos tombaram qual testemunhas e mártires do seu amor sublime. Mas, quando um cristão tomba, vítima do ódio e da violência dos inimigos, é Cristo quem se eleva em sua aparente queda.
Ainda hoje, no dito mundo “civilizado”, “contemporâneo”, “moderno” ou “pós-moderno”, defensor da “tolerância religiosa”, muitos cristãos são perseguidos na civilização oriental e ocidental. À sombra dos horrores do nazismo – lendo um livro publicado em homenagem à memória de padres que foram perseguidos e presos nos campos de concentração e extermínio do nazismo, consumindo suas vidas em trabalhos forçados até o limite máximo de suas forças – encontrei a preciosidade do testemunho a seguir. São palavras carregadas do peso e da força do autêntico testemunho cristão, contra a fúria canina dos que afirmam frases do tipo “não podemos mais tolerar os espíritos obscuros, os bufões, os feiticeiros do céu”, como algumas vezes, foram e são acusados os padres – os sacerdotes de Cristo – que O tornam presente no meio do inferno, frequentemente, vivido na terra.
Cito o texto: “No mês de dezembro de 1944, os setenta padres provenientes do campo de concentração de Neuengamme chegaram em Dachau. Entre eles, o reverendo padre Humbert:
– Ao sairmos do vagão, andávamos como velhos, e isto durou quinze dias... tamanho era o nosso esgotamento; eu tinha, então, trinta e cinco anos, e pensava comigo mesmo: – Nunca mais você encontrará a sua mocidade. Ficamos encerrados num quarto do block 17; isto permitiu que descansássemos um pouco dos trabalhos do aterro. Organizamos os nossos dias: oração comum, comunhão que nos era trazida por um padre do Bloch 26, círculos de estudo, e, à noite, adoração ao Santíssimo Sacramento, usando uma latinha como ostensório.
– Na noite de natal, tivemos a visita do monsenhor Piguet. Trouxe-nos um latão de sopa e falou conosco de coração aberto. Era reconfortante ver um bispo num campo de concentração. ‘Ali onde estiver um bispo, ali estará a Igreja [de Cristo]’, havia escrito São Cipriano. Na pessoa do bispo, a Igreja compartilhava o sofrimento dos deportados. Depois de vinte e um dia de quarentena, fomos distribuídos pelos blocks reservados aos eclesiásticos. No dia seguinte, houve uma missa clandestina no block 28. Talvez tenha sido a mais bela missa a que eu jamais assisti.
– O altar: uma simples mesa de pinho, uma vela diretamente em cima da mesa, um copo de alumínio à guisa de cálice sagrado, um missal de bolso, uma cruz de terço, e era tudo. Um padre com roupa de forçado fica em recolhimento, enquanto os cristãos vão chegando. As janelas estão calafetadas. Um padre monta guarda na porta: silêncio, obscuridade, recolhimento; a poucos passos do local, o crematório fumega.
– Todos respondem às orações em voz baixa. Estou ajoelhado num canto, anônimo, ignorado. Todos esses desconhecidos, ridículos nas suas roupas sórdidas, suas cabeças raspadas, seus rostos macilentos de tanto sofrer, já não são mais forçados e, sim, padres. As primeiras palavras do sacrifício revelam-me seu sacerdócio. Todas essas mãos juntas, são mãos consagradas e duas delas vão oferecer e partir o Pão da Vida. Tudo isto, eu acabo de sentir num minuto de plenitude única. Não teria trocado o meu lugar nem por um império.
– O padre ergue a hóstia colocada na palma de suas mãos. Existirá patena mais digna do que essas mãos que levaram algemas, que manejaram a pesada picareta alemã, que talvez tenham dado absolvição a um doente de tifo, num canto da enfermaria? No seu total despojamento, o sacrifício do altar só deixa transparecer os gestos essenciais.
– O padre eleva um pouco a voz durante a consagração. Eu vejo, com os olhos da fé, o pão tornar-se o Corpo de Cristo. Eu vejo a hóstia dos deportados, pesada de tantas torturas, de mortes lentas, torar-se a Vítima do Calvário no meio desses forçados prosternados dentro da noite. Nessa cerimônia termina o fantástico poderio do nazismo. ‘Aqui não existe Deus’, havia berrado um SS, e bastou [o quê?] algumas palavras saídas dos lábios de um padre, para que a presença real de Deus fosse trazida para esse inferno na terra, e para que esse deixasse de ser um inferno.
– O padre ergue o sangue de Cristo no copo de alumínio. Fealdade horrível ou beleza sublime desse copo? Nunca a beleza do mistério foi tão emocionante como nessa simplicidade.
– O padre passa no meio dos deportados com uma lata servindo de cibório, e distribui o Pão da Vida. A missa termina em meio ao silêncio. Existem momentos de intimidade que não devem ser interrompidos [por nada].
– Um dia, um padre prolongará essa missa: “Não me vinguem!”. O testemunho acima referido retrata a grandeza da alma sacerdotal em tempos duríssimos de perseguição, como ainda podemos ver abaixo: “Para o padre Joseph Haller, a cerimônia, ‘talvez a mais importante’, realizou-se na quinta-feira Santa de 1945:
– Eram 4h30. Naquela manhã compreendi que ser padre significa ser um servidor. Os doze padres mais velhos estavam sentados em doze escabelos. A exemplo do Mestre, um abade beneditino, ele também prisioneiro, ajoelha-se, lava os pés de seus colegas, enxuga-os e os beija. Cerca de seiscentos padres assistiam à cena e cantavam as palavras do Evangelho: – Eu vos dei o exemplo para que façais como eu fiz convosco. As palavras: – Eu estou entre vós como um servo – já eram conhecidas por mim, mas, naquele momento, elas soaram impregnadas de dignidade e de todo o seu significado. Separado das almas que me haviam sido confiadas, arrancado brutalmente do meu ambiente de trabalho, só me ocupando do que era semeado com lágrimas, compreendi melhor a mensagem dos acontecimentos: a necessidade para o padre de ser o servo de seus irmãos.
– A missa de Páscoa que assistimos apertados como sardinhas em lata, foi marcada por um admirável sermão de quarenta e cinco minutos, em latim, do padre abade de Beloc. Ver esse velho curvado, fisicamente esgotado, falar de ressurreição, de esperança de vida nova e de alegria, fazia com que lembrássemos do grande Santo Inácio de Antioquia: “Eu sou o trigo de Deus, vou ser moído pelos dentes das feras para tornar-me um pão do agrado de Deus”.
Sem dúvida, o testemunho heróico de muitos cristãos no palco da história contemporânea – sacerdotes, leigos, religiosos, religiosas e tantos outros consagrados à pregação do Evangelho por causa de Cristo – desperta em nosso coração reflexão e silêncio, mas também a oportunidade do exame de consciência quanto à determinação do nosso testemunho. Assim, gostaria de apresentar uma frase do Papa Bento XVI, referindo-se ao radical testemunho de São Paulo, que se deixou “ferir” por Cristo: “Paulo não agiu graças a uma brilhante retórica e mediante refinadas estratégias, mas, empenhado-se pessoalmente e expondo-se em vista do anúncio da palavra. Também hoje a Igreja poderá convencer as pessoas somente à medida que os anunciadores estiverem dispostos a deixar-se ferir. Onde falta disponibilidade em sofrer pessoalmente, falta o tema decisivo da verdade, do qual a própria Igreja depende. Sua batalha será sempre e somente a batalha dos que aceitam sacrificar-se: a batalha dos mártires”.
Na linha de combate da dessacralização do mundo moderno, senhor de si mesmo e de suas próprias “verdades”, quem estiver disposto à coerência de sua fé, testemunhando Jesus; quem estiver disposto a “deixar-se ferir” por Ele, dê um passo à frente.