domingo, 3 de julho de 2011

Verbum Domini

Verbum Domini 

No dia 30 de setembro de 2010, na memória de São Jerônimo, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, apresentou aos cristãos do mundo inteiro a Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini, sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Um documento do Magistério da Igreja, profundamente rico porque aborda um assunto pertinente à vida dos cristãos, enquanto são formados em Cristo para obedecer ao Pai de todos nós: “Meu Pai e vosso Pai; meu Deus e vosso Deus!” (Jo 20,17). A intenção do Papa – em comunhão com a “XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se efetuou no Vaticano de 5 a 26 de outubro de 2008, [que] teve como tema A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja” (n. 1) – não é outra coisa senão a de “indicar algumas linhas fundamentais para uma redescoberta, na vida da Igreja, da Palavra Divina, fonte de constante renovação, com a esperança de que a mesma se torne cada vez mais o coração de toda a atividade eclesial” (n.1).
Na verdade, a Igreja de Cristo jamais se cansará de insistir no fato de que, se quisermos viver bem a nossa fé e o nosso Cristianismo, não podemos separar a nossa vida e o nosso conhecimento da Palavra de Deus, não apenas como fonte de revelação divina, mas, sobretudo, plenitude da manifestação de Deus, que vem ao nosso encontro na pessoa do Filho, a Palavra divina por excelência. Infelizmente, e essa constatação salta aos nossos olhos ignorantes e preguiçosos, não somente temos dificuldade de ler os Documentos da Igreja, quando não, somos preconceituosos e preferimos nos fechar no gosto da “ignorância” voluntária, como se não fôssemos ser cobrados e, consequentemente, não fôssemos pagar por isso. Uma coisa é a gente não ter tido a oportunidade de ouvir falar de Cristo, outra, bem diferente, é dar-se ao capricho do não conhecimento de Cristo, a fim de que, no final, o juízo sobre nossos atos e nossas omissões seja menos pesado, aliviado ou mesmo, quem sabe (?), desconsiderado. Fechando-nos ao conhecimento de Deus, corremos o risco de perder a preciosa oportunidade do encontro dialogal com ele. Por isso que o Papa Bento XVI insiste: “é dom e dever imprescindível da Igreja comunicar a alegria que deriva do encontro com a Pessoa de Cristo, Palavra de Deus presente no meio de nós. Num mundo que frequentemente sente Deus como supérfluo e alheio, confessamos como Pedro que só Ele tem “palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Não existe prioridade maior do que essa: reabrir ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância (cf. Jo 10,10)” (n. 2). Muitas vezes, por querermos encontrar um “deus” à semelhança de nossos desejos e caprichos mais suspeitos, recusamos a revelação do verdadeiro Deus de Israel, o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó e de Jesus Cristo, que nos desafia à submissão e à obediência às leis e à vontade divina.
Depois do conhecimento da Palavra de Divina, cuja plenitude é a aceitação da Pessoa de Cristo e de seu Evangelho, de sua boa-nova salvadora, temos a obrigação do anúncio e da proclamação dessa verdade a todos os povos. A conversão entra pelos ouvidos, “pois a fé vem da pregação e a pregação é pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). Nesse sentido, o Papa indigita o testemunho do grande Apóstolo de Cristo, São Paulo, que consumiu toda a sua existência por causa da pregação do Evangelho: “E, isto tudo, eu faço por causa do evangelho, para dele me tornar participante” (1Cor 9,23); “Na verdade, eu não me envergonho do evangelho: ele é força de Deus, para todo aquele que crê” (Rm 1,16). A consciência paulina quanto à necessidade da pregação do evangelho ao maior número possível de irmãos, deve ajudar-nos a esclarecer o imperativo de nossa missão nos difíceis tempos em que vivemos. Como ele, também nós devemos reconhecer que “anunciar o evangelho não é título de glória para mim; é, antes, necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho!” (1Cor 9,16). E ele foi pelo mundo afora, levando a mensagem do evangelho a todas as nações, a fim de cumprir, de maneira incansável, o mandato missionário de Cristo: “Ide por todo o mundo” (Ma 16,15).
A mesma consciência da urgência da pregação do evangelho deve estar presente no coração de todos os batizados. O desafio do testemunho autêntico de nossa fé passa por essa responsabilidade. Todavia, não se trata propriamente – ou apenas – de um deslocamento geográfico para isso. Não podemos evangelizar os mais distantes, se não somos capazes de inquietar os que nos são vizinhos. O Papa Pio XII, fundador da “Ação Católica” intuiu com sabedoria que quem evangeliza uma doméstica é outra doméstica; quem evangeliza um operário é outro operário; um professor, outro professor; um médico, outro médico; uma criança, mais, convincentemente, outra criança; e seria, talvez, exagero ou desnecessário dizer, mas, um padre, outro padre; um bispo, outro bispo, e, assim, sucessivamente. Portanto, essa cadeia de repercussão evangélica, isto é, o bom êxito que caracteriza a influência sadia sobre os nossos irmãos, deve motivar cada um dos batizados, lá, onde cada um se encontra, e diante daqueles com quem vive a quotidianidade, a não extraordinariedade de suas ações. A Igreja de Cristo não precisa da extraordinariedade dos eventos midiáticos entorpecentes para cumprir bem o seu papel evangelizador. Mas, ela precisa da atitude cristalina e comprometedora de cada cristão com sua fé. A religião de massa é contraproducente porque aliena e não compromete eclesialmente o indivíduo. Por exemplo, é muito cômodo alguém se dizer cristão quando vive sua fé conforme as ondas da agitação interior de suas necessidades superficiais e momentâneas, sem se deixar envolver ou assumir, de modo concreto, a convivência na comunidade dos filhos de Deus que é a Igreja de Cristo, fundada sobre os Apóstolos, seus seguidores mais imediatos. A Igreja de Cristo não nasceu em qualquer dobra de esquina, como se tivesse sido assoprada pelo redemoinho de interesses de prosperidade material. O desejo de Cristo ao fundar a sua Igreja é, acima de tudo, o sonho amoroso de Deus pela nossa salvação eterna.
Uma das marcas já reconhecida do apostolado do Papa Bento XVI é a insistência com que ele tenta provocar na consciência cristã a necessidade do encontro pessoal com Cristo. Sendo Cristo a última e definitiva Palavra de Deus, a plenitude de sua revelação, somos intimado a ouvi-Lo. E o Papa afirma: “Por isso, cada um dos nossos dias seja plasmado pelo encontro renovado com Cristo, Verbo do Pai feito carne: Ele está no início e no fim de tudo, n’Ele todas as coisas subsistem (cf. Cl 1,17). Façamos silêncio para ouvir a Palavra do Senhor e meditá-la, a fim de que a mesma, através da ação eficaz do Espírito Santo, continue a habitar e a viver em nós e a falar-nos ao longo de todos os dias da nossa vida. Desta forma, a Igreja sempre se renova e rejuvenesce (cf. 1Pd 1,25); Is 40,8)” (n. 124).
Vale a pena a gente criar coragem e ler o documento inteiro – e, claro, retomar alguns pontos difíceis para melhor compreender o significado do pensamento e das orientações do Papa. Na verdade, jamais iremos amadurecer e robustecer a nossa fé se continuarmos na preguiça intelectual e literária de nossa ignorância. Precisamos lançar mão dos Documentos da Igreja, a fim de superarmos a mediocridade repetitiva de afirmações vazias e sem sentido, quando tentamos justificar a incoerência de nossas razões com supostas e falsas meias verdades. Nesse sentido, o Santo Padre orienta a todos os cristãos – bispos, padres, seminaristas, religiosos e religiosas, leigos e tantos outros fiéis seguidores de Cristo – a não desconsiderar o fato de que, somente permanecendo na Palavra, é que nos tornamos perfeitos discípulos do Senhor, que nos mostrará a verdade plena e, por conseguinte, tornar-nos-á realmente livres (n. 80). Então, estamos dispostos ao desafio?