domingo, 3 de julho de 2011

A vida da Igreja de Cristo

A Vida da Igreja de Cristo 

Um dia, eu ouvi Dom Luciano Duarte afirmar em uma pregação do tempo natalino, que a Igreja de Cristo pende e vive da vida histórica de Jesus. Essa é, de fato, a vida da Igreja. Num mundo não existe nenhuma outra instituição religiosa que tenha toda a sua vida marcada pela presença de Deus que se fez homem na pessoa do Filho. Encarnado, ele peregrinou por essa terra, recolheu um grupo de amigos, à beira do Lago da Galileia, perambulou pelas terras da Palestina e circunvizinhança, ensinando as doutrinas do Reino de seu Pai. Depois, por insatisfação de um grupo de fanáticos que O acusaram de blasfêmia, por fazer-se igual a Deus, foi entregue nas mãos de seus carrascos, foi obrigado a carregar o seu objeto de condenação e, terrivelmente, extenuado em suas forças físicas, foi crucificado e morreu, sendo depositado num túmulo que não era seu. O derradeiro presente de Jesus, foi oferecido por um fariseu temente a Deus, sabia que iria morrer, e construira sua própria sepultura. Seu nome era José de Arimateia.
Durante seus dias na terra, muitos viram sua pregação com suspeita, criticaram-no duramente, mas ele nunca se deixou levar pelas palavras e pelos gestos odiosos de seus inimigos. Ele viera para pregar um amor diferente. Um amor incondicional. Rejeitado pelos homens, sempre se comportou na certeza da confiança e do abandono que nunca deixou de ter para com o seu Pai bendito. Sua missão foi árdua, e ele demonstrou-se à altura da obediência sofrida por amor ao Pai e aos homens. Ele realizou muitos milagres e operou muitos sinais que falavam da vida superior, da vida do céu, da vida que não se limita ao pó da terra. Mais do que falar, ele era a vida por excelência, a vida em abundância porque toma parte na mesma vida divina. Plantado dentro da rocha, permaneceu três dias experimentando o aniquilamento mais radical de nossa humanidade, a morte. No entanto, o seu corpo não foi entregue à corrupção, mas o seu Pai o ressuscitou para não mais morrer.
Tendo ressuscitado, ele apareceu à Maria Madalena e a muitas outras pessoas, como também aos seus Apóstolos, aqueles que foram escolhidos pessoalmente e estiveram com ele desde o início, saboreando as novas realidades da vida em Deus que ele trazia à plenitude. Tento subido aos céus na sua ascensão, ele levou consigo a nossa humanidade totalmente transformada pelo mistério de sua Paixão, Morte e Ressurreição. Nossa vida futura com Deus foi garantida pela sua manifestação plena. Sua presença na vida da comunidade primitiva confirmava-se pelos sinais que seus discípulos realizavam em seu Nome. Mas, uma onda de perseguição se instaurou contra os que professavam a fé em seu nome. Como sabemos, o Nome corresponde à pessoa mesma que é invocada pelo Nome. Muitos inimigos da nova religião fizeram de tudo para sufocá-la no seu nascedouro, mas não o conseguiram. Todavia, a insatisfação do mundo com a Igreja de Cristo nunca foi novidade. Ele mesmo anunciara a dureza dos tempos difíceis pelo próprio testemunho corajoso de sua vida. E, assim como ele foi odiado e maltratado, também, sê-lo-iam seus amigos. Verdade e sofrimento sempre estiveram juntos no anúncio do evangelho, a verdade incômoda da religião do Senhor Jesus, que O tem como fundamento da Verdade inabalável de sua coerência.
Sempre assistida pelo Espírito Santo, sua missão estendeu-se pelo mundo afora, tempo adentro, de geração em geração, mesmo se sofrendo os percalços de cada época. Muitos vendavais ele suportou, rasgando as resistências temporais na firmeza de seus novos seguidores. Quantos se enfileiraram na milícia de Cristo com determinação e coragem, a ponto de derramar o próprio sangue, com o testemunho radical da fé pelo martírio. Seguir as pegadas de Cristo significa abandonar o mundo, sua mentalidade, sua autoverdade, seus critérios de bem e de mal, para ancorar-se no núcleo central de sua Pessoa. Com efeito, é sempre ele a conduzir pelos caminhos da história sua Igreja peregrina, em direção à glória definitiva no céu, de cuja Igreja triunfante já participam os santos. Assim, na falange interminável de seus discípulos, encontramos a convicção serena do nosso seguimento. No aparente fracasso de nossas incertezas, está a perenidade de sua assistência infalível por meio do Espírito Santo e santificador, revestindo de força seus seguidores diante dos combates espirituais que devem enfrentar, dia após dia.
Todos os mistérios da vida da Igreja são frutos do sacrifício do Redentor, e vivemo-los por meio dos Sacramentos da Igreja que celebramos e dos quais participamos. Santa Igreja de Jesus Cristo! Nela, experimentamos a alegria inefável da vida do céu, que o Senhor já nos antecipou com sua própria humanidade. Com ele, subimos ao monte da transfiguração, e vislumbramos sua glória divina; com ele, vamos ao deserto quaresmal para enfrentar o tentador e sermos vitoriosos com ele; com ele, entramos no mistério sombrio da morte, para vencermos a escuridão interior com a graça de sua ressurreição; com ele, somos elevados aos céus, e, a partir da vida quotidiana, já usufruímos dos bens escatológicos. Como diria o Papa Bento XVI, em seu último livro Jesus de Nazaré, quando fala da vida eterna: “A expressão ‘vida eterna’ não significa – como imediatamente talvez pense o leitor moderno – a vida que vem depois da morte, enquanto a vida atual seria passageira e não uma vida eterna. ‘Vida eterna’ significa a vida no sentido mais próprio e verdadeiro, a qual pode ser vivida mesmo nesse tempo e contra a qual, depois, já nada pode fazer a morte física. É isto que interessa: abraçar já desde agora a ‘vida’, a vida verdadeira, que não pode ser destruída por nada nem por ninguém”. Essa é, pois, a riqueza inesgotável que promana da vida histórica de Cristo, atravessa o mundo e volta ao seio da Trindade, levando-nos consigo, à plenitude da vida que não termina, isto é, da vida eterna.
Vislumbrando esse horizonte de graça sacramental, todos devemos alegar-nos pelos méritos de Cristo, o nosso Salvador. Ele continua presente e assistindo com o seu Espírito a Igreja pelas estradas do mundo. Ele que prometeu: “Eu estou [tempo presente] convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt 28,20), não trairá a confiança de seus seguidores. É por isso que a Igreja de Cristo vai adiante, vencendo os medos e os temores impostos pelo mundo contemporâneo, distante e alheio à sua presença no hodierno da vida social, política, econômica, cultural, familiar, pois tudo depende dele, como afirma o prólogo do Evangelho de São João: “Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens, e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não o apreenderam” (Jo 1,3-4). Numa palavra simples, São João está dizendo que o mundo, ao contrário de abrir-se a ele, o único capaz de proporcionar a felicidade plena, que transpõe as utopias e as desilusões da existência humana, não encontrou o acolhimento devido no coração e na vida das pessoas. Não nos enganemos, mas, quantas vezes, também nós, que nos dizemos cristãos, fechamo-nos à sua Pessoa? As nossas atitudes são reveladoras dessa verdade incômoda que, vez por outra, assalta-nos na inquietude de não sermos os cristãos que deveríamos ser enquanto testemunho vivo aos olhos do mundo.
Que o Senhor Jesus ajude-nos a vencer em nós mesmos a tibieza da covardia para a autenticidade coerente de nosso amor por ele nas coisas simples e modestas da vivência cristã. Não precisamos de ações e gestos extraordinários para demonstrar nosso amor e nossa gratidão a Cristo. Tenho certeza de que Ele se contenta com a piedade despretensiosa da generosidade de nossa confiança e abandono. Mesmo assim, devemos reconhecer que qualquer mérito de nossa religiosidade é fruto de sua infinita benevolência.