segunda-feira, 4 de julho de 2011

Insuficiência Vocabular


Insuficiência Vocabular

Aproveitando que ainda estão recentes as celebrações de “Corpus Christi’ no mundo inteiro, mas também no Brasil e em nossa Arquidiocese, gostaria de abordar um assunto que, com frequência está presente nos jornalistas que nos entrevistam ou falam sobre os vários temas e assuntos relacionados à religião de Jesus. Na verdade, gostaria de intitular o texto assim: “Segundo a fé católica...”. Mas, como sei que há pessoas que descartam a leitura apenas ao se deparar com a expressão “católica”, ou por preconceito ou por desinteresse mesmo, resolvi epitetá-lo como já lido acima. Na verdade, trata-se da insuficiência vocabular com que muitos repórteres se referem aos temas da religião de Cristo, sem o determinado domínio do vocabulário que a fé católica exige para expressar seu conteúdo doutrinal.
Por exemplo, ouvimos em várias ocasiões, citações do tipo: “Para a Igreja Católica a festa de Corpus Christi representa [simboliza] o Corpo de Cristo”. Evidentemente, pode até ser uma provocação jornalística, talvez, para facilitar o diálogo ou a apresentação do tema, quando não se trata de entrevista, mas da colocação do tema. Daí que a afirmação mais correta seria dizer que “segundo a tradição da fé católica”, a festa de Corpus Christi é a festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, enquanto a Hóstia não representa nem simboliza o Corpo de Cristo, porém, que ela é o Corpo de Cristo. A Hóstia é Cristo. De maneira mística, misteriosa, Jesus esconde-se sob as espécies do pão e do vinho, tornando-se o “verdadeiro pão descido do céu” em relação ao maná que o povo de Israel comeu no deserto e morreu: “Em verdade, em verdade eu vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,32-33); “Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná do céu e morreram. Este pão é o que desce do céu para que não pereça quem dele comer” (Jo 6,48-50). De fato, a teologia Eucarística da Igreja Católica é muito rica. Tudo fruto da oferta generosa de Cristo, o Senhor bendito pelos séculos sem fim!. É ele aquele que o sacerdote toma nas mãos durante a celebração da Eucaristia. Esse foi seu mandato: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19). Com efeito, como nos ensinou o Concílio Vaticano II, o sacerdote age “in Persona Christi” – “na Pessoa de Cristo”.
Ou seja, que independe da vontade de quem quer que seja, que Cristo seja a Hóstia consagrada e esteja presente nela, escondido sob as espécies do pão e do vinho transubstanciados, isto é, transformados em seu Corpo e Sangue Santíssimos. Isto acontece pela oração do sacerdote, valida e legitimamente ordenado pela Igreja de Jesus, impulsionada pelo Espírito Santo. Portanto, essa potência do Espírito de Cristo que age por meio do sacerdote, não é consequência de uma “superstição católica” inventada na Idade Média como já afirmaram. Uma consideração desse tipo, revela, não apenas a insensatez estúpida e fantasiosa, mas, também, profunda ignorância e desonestidade históricas. O que acontece na Missa da Igreja Católica é o mesmo que aconteceu no Monte Calvário há quase dois mil anos. Por isso que, nesse contexto da Eucaristia, quanto falamos de “tradição”, referimo-nos àquilo de que fala São Paulo na primeira Carta aos Coríntios, onde se afirma: “Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti [ego enim accepi a Domino quod et tradidi vobis]: na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim’. Do mesmo modo, após a ceia, também tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a nova Aliança em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim’. Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,23-26).
Eis o grande mistério da nossa fé! E a fé, como sabemos, não pode ser explicada suficientemente pelos critérios de nossa razão. Ou aceitamos com humildade o mistério de Deus no pobre horizonte de nossas argumentações ou o recusamos pela arrogância de nossa presunção. Essa é a razão pela qual um cristão católico não pode não aceitar que a Hóstia é Cristo, pois se refere a uma verdade de fé irrecusável para ele, o que não significa que todo mundo tem de aceitar essa “verdade de fé”. Todo mundo, não, mas todo cristão católico, sim. Não se trata, nem mesmo de fazer proselitismo, como muitas vezes a Igreja foi acusada injustamente, como quando o Papa João Paulo II foi proibido de ir à Rússia ao manifestar seu desejo. Enfim, não podemos impor nossa fé a ninguém. Todavia, os cristãos católicos devem aceitar o depósito da fé recebido dos apóstolos, que, por sua vez, receberam-no do próprio Senhor e Mestre.
A fé não precisa de muita explicação. Lembro-me do então médico francês, Alex Carrel, que viajou a Lourdes como ateu, acompanhando a filha doente de um amigo. Lá, ela se curou, milagrosamente, diante de seus olhos, quando o bispo suspendeu o Santíssimo Sacramento para a bênção. Então, seu ateísmo se transformou numa incômoda e profunda crise de fé: crer ou não crer? Negar o óbvio inexplicável ou esconder-se na covardia do respeito humano? Correr o risco do deboche dos amigos médicos ou não trair a certeza de sua razão? Foi, pois, assim, borbulhando na superfície de sua inquietação interior, com respaldo na honestidade da convicção de sua inteligência, que ele nos legou a preciosidade de seu lúcido raciocínio de adesão à fé católica, convertendo-se de ateu a cristão católico: “Para quem crê, nenhuma explicação é necessária; para quem não crê, nenhuma explicação é suficiente”. De fato, quem estaria em condições intelectuais, mesmo se à luz da fé, para compreender Deus na imensidão do mistério de seu ser? Na verdade, esse tem sido o maior pecado da humanidade, o de querer manipular ou explicar Deus como se ele coubesse dentro dos esquemas mesquinhos e tacanhos de nosso racionalismo tão obtuso, rebelde e insubmisso.