segunda-feira, 11 de julho de 2011

Não devais nada a ninguém!!

Não devais nada a ninguém! 


A expressão é de São Paulo, apresentada no contexto da Carta aos Romanos sobre a caridade como fundamento e resumo da lei: “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o outro cumpriu a Lei” (Rm 13,8). São Paulo fala, sobretudo, do amor generoso entre as pessoas com quem convivemos, de maneira a demonstrar na prática relacional a própria caridade de Cristo que nos amou até o limite máximo das exigências de um amor sem fronteiras (Jo 13).
Aparentemente simples, todos conhecemos as dificuldades que imperam no meio da família humana quanto à serenidade facilitadora da proximidade recíproca dos conflitos quotidianos. O amor tem se tornado uma atitude banal e não comprometedora no convívio do dia a dia. Cada um volte o pensamento reflexivo de sua consciência para as situações que o cercam. Famílias em permanentes embates parecem não sobreviver aos escombros do fastio do amor mais puro, desinteresseiro, gratuito e fraterno dentro dos laços afetivos de nossos circundantes.
São Paulo, inspirado no amor de Cristo pela sua Igreja e pela humanidade inteira, mostra-nos o lado belo e inquestionável do amor autêntico e verdadeiro. Um amor dado, de modo incondicional, ao espírito de sacrifício, o que falta muito nos amores mascarados da nossa mesquinha e contundente mediocridade. O amor interesseiro é doentio, mórbido e sádico. As pessoas não podem ser usadas pelo egoísmo alheio, como vemos todos os dias no vai e vem dos encontros e desencontros da sociedade. Evidentemente, o amor cristão pode e deve jogar luz e sabedoria sobre todos os amores desnorteados pelas investidas de nossas pretensões. De fato, ele ilumina profundamente a nossa capacidade de amar. Lembro-me de um marca página, cuja inscrição fazia uma oração ao flanco do crucificado: “Senhor, concede-me a coragem de amar!” – “Herr, gip mir den Mut zur Liebe”. A cruz é uma palavra silenciosa que fala, muito eloquentemente, por sim mesma. Ela não precisa de palavras. Infelizmente, não podemos dispensar a cruz se quisermos chegar bem ao outro lado da travessia. Na verdade, toda cruz deveria ser vislumbrada pela esperança da luz que a envolve; da luz que ilumina o caminho das trevas, do sofrimento, da ingratidão, do medo, da rejeição, da incompreensão, da tristeza; enfim, de tudo aquilo que mergulha a alma humana na escuridão da noite interior.
O amor deve vencer os escombros da superficialidade de nossas atitudes e ações. Mais ainda, ele deve purificar o sentido errado que demos à plenitude de sua significação. Quantas vezes por dia trazemos nos lábios a palavra “amor” sem a devida correspondência à legítima revelação do que as intenções escondem por trás da hipocrisia de nossas satisfações! Por que será que São Paulo diz que “quem ama o outro cumpriu a Lei?”. Ele mesmo dá-nos a resposta: “De fato, os preceitos: Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e todos os outros se resumem nesta sentença: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é a plenitude da Lei” (Rm 13,8-10). O amor é tão importante na convivência humana que Santo Agostinho ensina, sem medo de errar: “Ama e faze o que queres!”. O amor não pode errar, e é por isso que ele pode redimensionar todas as outras categorias dos sentimentos de nossa alma na justa medida de sua compreensão e aplicabilidade no circuito livre de nossas escolhas e manifestações de simpatia, de amizade, de amor, de afeição, de apreço merecido pelo outro. Mas, essa atitude deve ser trabalhada constantemente, tentando trazer à luz da consciência a necessidade do amadurecimento nas situações mesmas que vivemos. O fato é que, muitas vezes, traumatizamos as pessoas quando expomos os trejeitos incôncios de nossa personalidade explosiva ou impulsiva. Amiúde, os instintos recônditos da nossa psicologia afloram à superfície do comportamento, sem a chance ou a oportunidade feliz da recondução imediata. Desse modo, muitas pessoas se perdem pelo labirinto acintoso da involuntariedade do indivíduo.
Na vivência do amor cristão, somos intimados a superação dos conflitos próprios de nossa humanidade. O grande problema para a aceitação dos defeitos alheios é que, com frequência, colocamo-nos acima de quaisquer suspeitas. O evangelho de São João retrata isso de maneira extraordinária. Uma mulher surpreendida em adultério é levada até Jesus. Seus inimigos, “com os olhos injetados do sangue da ira”, levam-na diante dele dizendo que “a lei [de Moisés] manda apedrejar tais mulheres”. Como sempre, a atitude de Cristo é surpreendente, comovente. No início, ele parece fingir que não entendeu bem a questão, mas, com a insistência da provocação furiosa dos detratores, ele não deixou passar a oportunidade para mais uma lição de vida, para mais um ensinamento teológico, ético, do acolhimento misericordioso de Deus, em nome de quem ele age com autoridade divina: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”. É verdade, com que facilidade atiramos pedras sobre nossos irmãos!. Todavia, no caso do evangelho, cada um, olhando no mais profundo da própria consciência, foi saindo, “a começar pelos mais velhos” (Jo 8, 1-11). Vale a pena a leitura do texto inteiro, a fim de melhor compreendermos o alcance pedagógico do ensinamento de Jesus na sua inteireza. Nosso amigo, Angélico Poppi afirma que se trata de uma pérola de incomparável beleza e profundidade doutrinal, que exprime, de modo maravilhoso, a bondade misericordiosa de Jesus, o Bom [Belo] Pastor, e o seu zelo primoroso pela salvação dos pecadores.
A ponta aguda do ensinamento de Cristo mostra o quando somos intolerantes com os outros e clementes para com nós mesmos. Assim, fechados no vício do nos julgar melhores que os demais, acabamos perdendo o sentido profundo da convivência harmônica entre nossos iguais, isto é, na presença de nossos semelhantes. Foi o Papa Pio XII quem disse que há muitas pessoas más no mundo porque ainda não se sentiram amadas, de verdade. O amor não impõe condições. Por isso que São Paulo assevera com tanta liberdade interior: “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo”. Que bom seria se não deixássemos para amanhã a urgência do convite para uma revisão de vida nesse sentido, no intento de encontrarmos os nós afetivos de ressentimentos que nos fazem perder tanto tempo no anseio da paz desejada diante do outro. A pergunta é producente, se meditada com sensatez e honestidade: Qual têm sido, de fato, a profundidade e a responsabilidade do nosso compromisso incondicional com o amor sincero, verdadeiro, dado e recebido, na reciprocidade do relacionamento?
Um pouco mais de reflexão pessoal poderá ser útil ao melhoramento e à abertura confiante e leal dos bons afetos que gostaríamos de dever condignamente aos transeuntes que flanam, livres e desimpedidos, pelos bulevares luminosos da existência. Para não perdermos tempo em desafetos desnecessários, estejamos mais atentos ao bem que devemos fazer, mormente, aos que se encontram no raio envolvente de nossa ação.