terça-feira, 5 de julho de 2011

Stabat Mater

Stabat Mater


Ninguém esteve e está mais intimamente presente à vida de Jesus Cristo do que a sua própria Mãe, Maria Santíssima. Ela que o viu nascer no pobre estábulo de Belém da Judeia (Mt 2,1), nunca mais separou dele a preocupação com tudo o que lhe aconteceria no caminho de sua entrega radical ao cumprimento da vontade do Pai, que “amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
Maria é a primeira a tomar conhecimento da concretude das promessas antigas: “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). Uma nota da Bíblia de Jerusalém afirma: “Esse versículo constata a hostilidade fundamental entre a serpente e a humanidade, mas deixa entrever a vitória final da humanidade: é um primeiro clarão da salvação, ou ‘Proto-evangelho’. A tradução grega, começando a última frase com um pronome masculino, atribui essa vitória não à linhagem da mulher em geral, mas a um dos filhos da mulher; dessa forma é estimulada a interpretação messiânica já presente na tradição judaica antiga, depois retomada e explicitada pelos Padres da Igreja”. De igual maneira, a tradição cristã não poderia deixar de atribuir à Maria a expressão solene e misteriosa do Profeta Isaías: “Eis que a jovem [‘a virgem’ – segundo as versões grega e latina] está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14). Recebendo o anúncio do Anjo Gabriel, ela acolhe em seu ventre, por obra e graça do Espírito Santo (Lc 1,35), o “infinito caudal da misericórdia do Altíssimo” na realização histórica do Mistério profundo da Encarnação. Depois desse momento do ingresso de Deus na história humana, Maria fez parte permanente, ininterrupta, dela.
Portanto, ela não poderia deixar de participar da “hora” de Jesus, do momento extremo em que ele deu a vida pela humanidade pecadora. O Evangelho de São João é muito claro quanto à sua presença fiel aos pés da Cruz de Cristo: “Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleopas, e Maria Madalena” (Jo 19,25). Sua mãe estava ali, talvez, sentindo ecoar de maneira profundamente radical as palavras do velho Simeão, ouvidas ainda quando Jesus era criança frágil depositada em seus braços maternos e acolhedores: “Eis que este menino foi posto para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição – e a ti, uma espada traspassará a tua alma! – para que se revelem os pensamentos de muitos corações” (Lc 2,34-35).
O olhar da mãe penetra todas as dores e os sentimentos do Filho, assumindo-os e sofrendo-os na sua própria alma como se fossem seus! Como diria, mais categoricamente, José-Fernando Rey Ballesteros, um filho sempre está desnudo diante de sua mãe. O olhar materno é capaz de descobrir com apenas um golpe de vista toda a dor e a alegria que alberga o coração de um filho. Há um misterioso cordão que enlaça o coração do Filho ao da mãe, e esse cordão não se rompe nunca. Assim – continua o referido autor – esse vínculo invisível converte a mãe numa caixa de ressonância de tudo o quanto acontece no coração do filho. Portanto, é inútil que um homem que sofre se apresente diante de sua mãe tentando ocultar a sua dor. Ainda não terá aberto os lábios, e já terá se derramado inteiramente diante do olhar de sua mãe. Não há segredos para a mãe que tomou o filho desnudo entre seus braços, não há obstáculos ou respeito humano.
A mãe se aproxima da cruz de seu Filho silenciosamente. Passou o tempo das multidões em que todos o procuravam mais para pedir milagres e curas do que para decidir seguir seus passos “vacilantes” rumo à imolação do Calvário. Mas, a mãe permanece, lá, incondicionalmente. Na expressão de José-Fernando Rey Ballesteros, a morte não pertence à vida pública, e o pudor exige morrer na estreita companhia dos amigos mais queridos. No caso de Cristo, o sentimento de um respeito supremo deve invadir o coração de quem se aproxima dele, despido e destruído, acabando de entregar e consumir sua vida por cada pessoa. E Maria o fez com sentimentos de profunda intimidade e reverencial respeito ao seu divino Filho Jesus, o “Servo sofredor”. Maria foi fiel até o fim: “Ela permanece lá com algumas mulheres e um apóstolo que a Tradição designa como sendo João. Onde estão os outros?... Não podemos atirar neles a pedra. Nós mesmos, é preciso lembrar, temos um medo terrível da cruz, medo de todo caminho que arrisca acabar aos pés da cruz. Na realidade, esse medo da cruz está no cerne de nossa vida espiritual e nos paralisa” (Blaquière). Se como afirma Blaquière, Maria fez a experiência da primeira “noite da fé” ao perder Jesus aos doze anos no Templo de Jerusalém, agora, na segunda “noite da fé”, sua experiência é mais densa e inflexível. Destarte: “Aqui se trata de outra coisa: fazer a experiência que Deus me abandonou de alguma maneira e, portanto, não obstante que eu experimente, continuar a proclamar a minha fé em sua misericórdia e em seu amor vencedor do mal e da morte. Maria entra nessa experiência com Jesus, olhando Jesus, acolhendo tudo o que se passa ao redor dele: a irrisão, os escarros, a solidão em que seus amigos o deixam, mas também o arrependimento do bom ladrão. Ela não se oculta de nada, totalmente vulnerável como Jesus nu sobre a cruz, tendo perdido a proteção de suas vestes, também ele tornando-se vulnerável” (Blaquière).
Sem grande discrição, muitas mães de nossa sociedade também olham aflitas para o sofrimento de seus filhos, desprovidas da consolação serena que gostariam de usufruir se a dor não fosse causada pela impotência de seus desejos maternos. Maria, a Mãe de Jesus, “a Consoladora dos aflitos” e das mães aflitas, quer ser o testemunho vivo e perene do conforto espiritual divino do próprio Filho Jesus, ensanguentado, de quem ela nutre a esperança vencida pelos limites das atrocidades humanas experimentadas em sua própria carne. Não podendo fugir da cruz, podemos permitir que seu peso seja suavizado pelo mistério do sofrimento de Cristo que, tendo ao lado a fidelidade incondicional de sua mãe, assumiu todas as nossas dores a fim de que, por Ele, recebamos também suas próprias consolações.